PARECER Nº 01, DE 2019.

Da Associação Brasileira sobre Dupla Carreira Esportiva, sobre o Projeto de Lei do Senado nº 2493, de 2019, de autoria da Senadora Leila Barros, que “Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências, para definir mecanismos que possibilitem a continuidade de estudos e a formação acadêmica de atletas de alto desempenho”. 

 

Parecer

 

É inquestionável o mérito da proposição que ora se analisa. O projeto avança sobre questões relacionadas às ausências escolares para fins esportivos, além de abordar o tempo de serviço dos professores envolvidos com viagens e acompanhamento das equipes esportivas. Argumenta corretamente, em sua justificativa que a formação esportiva acontece, geralmente, em concomitância à formação escolar e acadêmica; e que seria fundamental buscar a conciliação entre o esporte e os estudos. Aos desafios enfrentados por atletas para combinarem sua carreira esportiva à formação educacional, ou até mesmo a um trabalho, dá-se o nome de dupla carreira.

 

É fundamental, portanto, definir quem são os jovens que efetivamente necessitam de legislação específica para conciliar os estudos e a formação esportiva. Nesse sentido, a matéria é direcionada aos atletas  do mais alto nível esportivo nacional, tanto aqueles que se encontram em processo de formação quanto aqueles que já alcançaram resultados expressivos em suas modalidades e buscam manter o rendimento em alto nível.

 

Destacamos que o projeto de lei tenta abranger dois momentos que são distintos na formação do atleta. O primeiro, relacionado à Lei n° 9.394, de 1996, que diz respeito à ausência dos atletas durante sua formação básica (ensino fundamental e médio). A atual redação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação não regula essa dupla condição, portanto, em mérito, o Projeto de Lei em análise está corretamente alinhado a essa demanda social. Contudo, consideramos a alteração na Lei n° 12.711, de 2012* controversa. Isso porque esta Lei trata de grupos em situação de vulnerabilidade na ampla concorrência para vagas nas instituições de ensino público federal, condição esta que extrapola a decisão individual, construída histórica e socialmente. No caso dos atletas, de certa forma, houve a intencionalidade pela escolha da carreira esportiva, ainda que não se tenha o reconhecimento prévio das dificuldades de se tornar um atleta de alto rendimento. Sublinha-se, entre os motivos para a não inclusão da categoria aluno atleta na referida Lei, a possibilidade de ferir o princípio da isonomia entre os concorrentes, determinada a possível distinção entre o grupo de alunos atletas e os grupos determinados pela legislação.

 

Outro ponto a ser destacado é como esse atleta será qualificado para o ingresso numa instituição de ensino pública federal e, portanto, é preciso definir quem é o atleta de alto rendimento. Ser convocado para uma seleção, nacional ou estadual, é um critério vago e insuficiente. Este atleta em dupla carreira tem uma rotina de treinamento de alta intensidade, que pode variar entre 20 e 30 horas semanais, a depender da modalidade e do seu nível de rendimento no processo de formação. Atletas que representam seleções estaduais não necessariamente possuem rotinas que tensionem as demandas de estudos e treinamento, dadas as exigências de resultado neste nível competitivo. Chamamos a atenção também para a prevalência do amadorismo no cenário esportivo brasileiro, o que influencia as escolhas do atleta quanto à organização de sua rotina.  

 

O tipo de dedicação ao esporte pode ser classificado de três maneiras: linear, quando o atleta se dedica 100% ao esporte; convergente, quando o esporte é prioridade, mas ainda é possível conciliar com a formação acadêmica ou a um trabalho; paralela, quando esporte e a formação acadêmica (ou trabalho) são mais equilibradas. A literatura e a legislação internacional avançam sistematicamente sobre a discussão da dupla carreira, observando ainda diferentes impactos sobre a construção das identidades desses sujeitos a partir do tipo de dedicação, e como eles enfrentarão a aposentadoria esportiva. Este ponto é importantíssimo dado o elevado número de atletas que enfrentam quadros de depressão, alcoolismo e uso de outras substâncias, incluindo ainda casos de suicídio.

 

O Brasil precisa enfrentar a formação do jovem atleta de maneira mais efetiva, tendo um programa de acompanhamento de seus talentos, indicando-os, por exemplo, como um potencial atleta de alto rendimento. Esta é também uma oportunidade para discutir aspectos relacionados à especialização esportiva precoce, garantindo o acesso, frequência e adequado aproveitamento do ensino público técnico federal para os anos finais da educação básica – o ensino médio.

 

Observamos também que permitir este acesso aos atletas de modalidades olímpicas e paralímpicas, é depender do programa das Olimpíadas de Verão e de Inverno. Significa dizer que modalidades olímpicas hoje podem não ser amanhã. Um exemplo claro é o Karatê, foi incluído no quadro dos Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio, mas poderá não fazer parte em outras edições do evento - como o golfe, presente nos jogos de 1900 e 1904, retornando ao programa em 2016, no Rio de Janeiro. Modalidades como futsal e futebol de areia também estarão excluídas desta legislação. É preciso lembrar que a cada ciclo olímpico é discutida a retirada do futebol de campo deste mesmo programa e, caso isso ocorra, esta modalidade estaria à margem desta proposta. Portanto, definir de maneira objetiva quem são estes atletas de alto rendimento, que efetivamente se encontram em dupla carreira ou se dedicam exclusivamente ao esporte de maneira amadora, é fundamental para alcançar aqueles que efetivamente necessitam deste dispositivo legal.

 

Restringir o seu ingresso aos cursos superiores à distância também não deve ser o caminho para a qualificação profissional deste jovem. O atleta em condição de pleitear seu acesso ao ensino superior deverá escolher a modalidade de ensino (presencial ou a distância), bem como a Universidade que melhor se adequar às suas possibilidades e expectativas.    

 

Por fim, ao entender que a conciliação esportiva e educacional envolve duas instituições, a escola e o clube, este relatório propõe alterações na Lei 9.615, de 1998, que institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências, para especificar os compromissos que os clubes esportivos possuem tanto com o aluno atleta quanto com a escola a ele vinculado, tendo em vista que o direito à educação e à participação desportiva são garantias Constitucionais e não devem ser conflitantes.

 

A título de sugestões apresentamos, ressalvadas todas as considerações, a constituição de um Projeto de Lei específico que verse sobre o acesso dos atletas de alto rendimento, tanto ao ensino superior, quanto ao ensino básico, técnico e tecnológico, oferecido pelo sistema federal. Dada a complexidade do tema é fundamental esclarecer quem são esses atletas apto a acessarem este processo de seleção, bem como a organização de resoluções que atendam aos alunos atletas (de representação ou de elite) matriculados nas instituições de ensino atendidas por este projeto de lei.

 

Dada a complexidade do tema sugerimos a realização de uma audiência pública para que possamos aprofundar a questão.

 

 Brasília, 21 de outubro de 2019.

Associação Brasileira sobre Dupla Carreira Esportiva

 

*A Lei n° 12.711, de 2012 dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.